Venerando São Pedro, príncipe dos Apóstolos:
Já deveis saber da injustiça de que este Teu humilde servo Anrique, Fidalgo da Casa de Sua Majestade, foi vítima, por parte da intransigência do Diabo e de um Santo Anjo que acordou mal disposto. E logo a mim, a menos habituada das criaturas de Deus a ser tratada com grosseria.
É verdade que me descuidei um bocadinho. Mandei açoitar uns aldeões com as entregas de rendas em atraso. Alarguei ligeiramente a minha propriedade com as terras de uma viúva, que acusei de bruxaria. Mas não foi por maldade. É que ela não sabia explorar essas terras. E que culpa tenho eu de ter generosamente acolhido algumas damas mal-amadas? E ainda outras pequenas coisas que não valem a pena recordar, para não maçar Vossa Santidade.
Mesmo reconhecendo esses pecadilhos, acha Vossa Santidade que um homem da minha condição, habituado ao grande sacrifício de gerir a vida social de um castelo, ilustre representante da nobreza de Portugal, deva ser condenado? Não deixei eu na Terra quem reze por mim? E aquele donativo que dei para reparar o altar-mor da capela de Nossa Senhora dos Aflitos? Não ia eu à Santa Missa com frequência? Não receberam os meus filhos (mesmo os bastardos) o santo Baptismo?
Saiba, Vossa Santidade, que se for permitido voltar à Terra, mandarei erigir uma capela (não muito grande, pois não sou rico) em Vossa Honra e hei-de obrigar todos os que trabalham nas minhas propriedades a participarem numa Procissão em Vossa memória, finda a qual se comerá só peixe.
Na expectativa de que me conceda Vossa Santidade a grã mercê de voltar à Terra, reparando a maior injustiça que o mundo já viu, subscrevo-me,
Seu devoto e humilde servo,
Anrique de Penalva, Fidalgo do Reino
(in Ser em Português 9, 2004)
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