segunda-feira, 11 de maio de 2009

Adamastor VS Mostrengo

Quer Luís de Camões, quer Fernando Pessoa, dois dos maiores poetas portugueses, realçam nas suas obras Os Lusíadas e Mensagem, respectivamente, a importância dos Descobrimentos portugueses para Portugal e para o mundo, dando especial destaque para o dobrar do Cabo das Tormentas, a partir daí conhecido como o Cabo da Boa Esperança, pelas perspectivas de novas terras que a partir de então se poderiam conhecer.

A oposição da Natureza aos intentos dos Portugueses é metaforicamente representada tanto por Luís de Camões, através do Adamastor, como por Fernando Pessoa, que recorre ao Mostrengo para retratar esses medos.

O Adamastor é um episódio de Os Lusíadas situado no Canto V, no momento em que Vasco da Gama narra a sua viagem de Lisboa até ao Canal de Moçambique ao Rei de Melinde. "O Mostrengo" é um poema que se situa na segunda parte de Mensagem, " Mar Português", momento em que Fernando Pessoa retrata os Descobrimentos portugueses, realçando a ânsia pela conquista do desconhecido e o esforço heróico da luta com o mar.

Caracterização do Adamastor / Caracterização do Mostrengo

Ambas as figuras são disformes, poderosas e aterrorizadoras.

O Adamastor surge de uma nuvem com uma figura " robusta e válida", como um monstro horrendo de tamanho descomunal, " De disforme e grandíssima estatura "; rosto severo e barba suja, desalinhada; olhos "encovados" e negros; cabelos " cheios de terra e crespos"; " boca negra" e " dentes amarelos". Apresenta uma " cor terrena e pálida", tem uma " postura medonha e má" e a sua voz é horrenda e grossa, " pesada " e amarga.

O Mostrengo é caracterizado como uma figura que voa e chia, " imundo e grosso", que habita em cavernas, que pode ser entendido como metáfora dos perigos do mar.

Discurso do Adamastor/ Discurso do Mostrengo

O Adamastor inicia o seu discurso com um tom assustador, como se pode notar, por exemplo, em: " E da primeira armada, que passagem/ Fizer por estas ondas insofridas, /Eu farei de improviso tal castigo,/ Que seja mor o dano que o perigo!" ( est. 43, vv.5-8)

De igual modo, no discurso do Mostrengo nota-se uma forte agressividade e um tom de ameaça, como é evidente em expressões, tais como: "Quem vem poder o que só eu posso, / Que moro onde nunca ninguém me visse / E escorro os medos do mar sem fundo?" ( vv.14-16)

Todavia, deixa transparecer uma certa admiração e espanto, tal como o Adamastor, por este povo aventureiro que ousou o que jamais algum ser humano o fizera: " Ó gente ousada, mais que quantas/ No mundo cometeram grandes cousas,/ (...) Pois os vedados términos quebrantas/ E navegar meus longos mares ousas" (est. 42, vv.1-6)

É de notar a presença de funestas profecias por parte do Adamastor e que contribuem para intensificar o momento de terror que está a ser vivido pelos argonautas portugueses:" Antes, em vossas naus vereis, cada ano,/ (...)/ Naufrágios, perdições de toda a sorte, / Que o menor mal de todos seja a morte!" ( est.44, vv. 5-8 )

Contudo, no final deste episódio, o Adamastor deixa de lado a figura assustadora e medonha para dar lugar a um ser sofredor e castigado, mostrando assim uma faceta muito humana. Se por um lado representa uma figura causadora de sofrimento, por outro assume-se como um ser vítima de um fracasso amoroso: "Da mágoa e da desonra ali passada, / A buscar outro mundo, onde não visse/ Quem de meu pranto e de meu mal se risse." (est.57,vv.6-8) e " Comecei a sentir do fado immigo,/ Por meus atrevimentos, o castigo." (est.58, vv.7-8)

Pelo contrário, o mostrengo não é autor de profecias e mantém a sua postura horrenda do princípio ao fim, tendo sido vencido pela coragem e determinação dos Portugueses.

Reacção de Vasco da Gama e seus homens / Reacção do homem do leme

A aparição do gigante mitológico, a que Luís de Camões chamou Adamastor e Fernando Pessoa o Mostrengo, suscitou reacções semelhantes.

Vasco da Gama e os seus homens começam por sentir receio perante a visão horrenda do Adamastor: " Arrepiam-se as carnes e o cabelo / A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo" (est.40, vv.7-8). No entanto, esse sentimento é depois substituído por uma certa admiração: " Lhe disse eu : " Quem és tu ? Que esse estupendo / Corpo, certo, me tem maravilhado !" " ( est. 49, vv. 3-4 ).

Tambem, no poema de Fernando Pessoa, o homem do leme revela sentimentos de temor e receio: "E o homem do leme tremeu e disse" (v. 17 ). Mas após as primeiras hesitações do homem do leme que sente vontade de fugir, de largar o leme, este acaba por reunir toda a sua determinação e permanecer no seu posto : "Três vezes do leme as mãos ergueu, / Três vezes ao leme as reprendeu" (vv.19-20 ) . Ele sente que essa não é apenas a sua vontade, mas a do povo português por ordem de D. João II: " Aqui ao leme sou mais do que eu : / Sou um Povo que quer o mar que é teu/ E mais que o Mostrengo, que me a alma teme / E roda nas trevas do fim do mundo, / Manda a vontade, que me ata ao leme, / De El-Rei D. João Segundo " (vv. 22 a 27 ).

O temor causado por esta figura não demoveu nem o homem do leme nem Vasco da Gama dos seus propósitos, terminando o episódio d'Os Lusíadas com um apelo de Vasco da Gama, pois mais horrendo que o aspecto do Adamastor eram as suas profecias para o futuro, tanto que pediu a Deus que lhes evitasse semelhante sofrimento.

Simbologias

O Adamastor e o Mostrengo, embora associados à representação do denominado Cabo das Tormentas, são personificações do medo e do receio que os navegadores revelavam ao enfrentar o desconhecido e o nunca antes navegado. Simbolizam também as histórias fantásticas relacionadas com seres monstruosos que habitavam os mares e que destruíam todos aqueles que tivessem a ousadia de entrar nos seus domínios, histórias essas em que os navegadores da época acreditavam.

O monstro representa ainda o guardião, que se encontra a impedir o acesso ao "tesouro", obrigando assim o homem a praticar um acto heróico e a vencer o medo. Primeiro, Bartolomeu Dias e seus homens, no reinado de D. João II, superaram os seus receios e provaram ser possível navegar para além do Cabo das Tormentas, a partir daí conhecido como cabo da Boa Esperança, e Fernando Pessoa imortalizou-lhes o mérito em " O Mostrengo". Depois, Vasco da Gama e seus homens, no reinado de D. Manuel I, descobriram o caminho marítimo para a Índia, chegaram até ao "tesouro", e Luís de Camões imortalizou-os na sua obra épica. (informação disponível na web)

1 comentário:

Leandro disse...

Muito obrigado pela análise comparativa dos dois textos, tornou-se mais fácil compreender as diferenças entre ambos :)